Algumas pessoas parecem vir com certezas no sangue. Eu definitivamente não sou uma dessas pessoas. Pelo menos não em vários assuntos, e filhos é um deles. Eu nunca fui aquela pessoa que tinha desde os 12 anos de idade certeza de que queria ter filhos, e sei que essas pessoas existem porque conheço algumas assim. Na verdade, quando o assunto surgia eu sempre ficava mais em cima do muro, pendendo vezes para o sim e vezes para o não. Com o passar do tempo e o avançar da idade a pergunta sobre se você quer ter filhos fica mais frequente, sendo que depois dos 35 anos muitas pessoas começam a supor que provavelmente você não queira. Bom, eu estou com 34 anos e vou dizer que ainda tenho minhas dúvidas, apesar de já ter uma inclinação muito mais clara hoje do que no passado para um dos lados do pêndulo. Explico minhas razões para a dúvida.
Ter filhos é uma das maiores decisões que se pode tomar na vida, na minha opinião. Ela, de fato, é para sempre. Claro que acidentes acontecem e aí é outra história, mas quando se decide conscientemente por ter filhos, sabese (ou pelo menos se deveria saber) que essa é uma decisão que mudará profundamente a sua vida, e você mesmo. E essa decisão acaba afetando de forma muito mais grave a mulher. Não só porque é o corpo dela que vai passar por mudanças violentas, mas porque, em grande parte das vezes, é ela que vai abandonar ou, no mínimo, adiar em muito tempo os planos profissionais. Li uma pesquisa certa vez que dizia que a carreira de homens e mulheres com as mesmas condições permaneciam em um avanço contínuo e paralelo até a idade de terem filhos, sendo que após este acontecimento a carreira dos homens continuava em uma ascendente contínua, enquanto que a das mulheres estagnava por anos.
Hoje, diferentemente do tempo dos nossos pais, tem-se atingido uma certa maturidade financeira (se é que devemos chamar assim, poderia ser simplesmente “condições financeiras” mesmo) muito mais tarde. É só você pensar o tanto de coisas que os seus pais já tinham alcançado com 25 anos e o tanto de coisas que você conseguiu alcançar com a mesma idade. E os 25 anos são o ápice da saúde para a procriação, depois disso é só ladeira abaixo, pelo menos para as mulheres – que sorte a nossa! Aí o resumo disso tudo é que, no fim das contas, quando se juntam as condições para se poder tomar uma das maiores decisões da sua vida, tanto financeiras quanto de saúde, o que sobra é um lapso temporal ideal de uns 5 anos. E isto é muito pouco, é sufocante. Claro que isso se aplica se você quiser filhos biológicos, porque sempre há – ainda bem – a possibilidade de se adotar.
O que sempre me fez pensar mil vezes sobre o assunto é a questão da perda da liberdade. A impressão que eu sempre tive é de que depois que se tem filhos não se pode mais fazer quase nada do que se gosta. Parece que a sua vida toda começa a girar em torno deles, e só deles. Há uma perda da individualidade e da identidade, pois todas as fotos no rolo da câmera e postadas no Instagram são dos filhos, passa-se a se referir ao parceiro como “pai” e “mãe”, as pessoas parecem só ter um assunto, toda a programação da casa e da TV passa a ser infantil, e por aí vai. Eu sei que toda essa perda pode não ser grande coisa para várias pessoas, mas para mim isso é bem assustador. É óbvio que a vida das pessoas muda quando se tem filhos, e estranho seria se isso não acontecesse (estranho é quando isso não acontece), mas por mais que as coisas mudem, sempre achei que o novo membro da família deveria se adaptar à rotina já existente mais do que o contrário. Afinal, existia toda uma vida – hoje em dia algo em torno de uns 30 anos – antes da chegada dos pequenos.
Quando adentramos os 30 anos começamos a conviver com muitas crianças, filhos dos nossos amigos, irmãos, primos. E é engraçado como o sentimento sobre filhos muda de acordo com as crianças ao redor. Tem aquelas crianças mimadas e meio insuportáveis que te fazem dar aquela conferida básica se o seu anticoncepcional está em dia. E tem aquelas crianças que são fofas, carinhosas, engraçadas, e que te fazem ter vontade de entrar nessa dança e sentir o que somente um filho deve possibilitar. E é aí que me pegam, a questão de ser algo único, porque para o bem e para o mal, ter um filho é uma experiência única, que não pode ser emulada. O que mais me balança são os olhares, os olhares que pais e filhos trocam quando estão se curtindo, esses olhares são tentadores, dá vontade de saber como é.
Termino dizendo que tenho certa inveja das pessoas que têm certezas, a vida parece ser mais fácil e sem grandes problematizações. De qualquer forma, muitos de nós não serão tão afortunados e terão muitas dúvidas ao longo da vida. No final, não existe uma fórmula matemática para se chegar a uma resposta à indagação que intitula este texto, talvez em algum momento simplesmente temos que optar por um dos lados do pêndulo, mesmo que ainda em dúvida. E torcer para que outros fatores sejam favoráveis quando chegar o momento dessa decisão.
Mariana Morita
Interessada pelo comportamento humano, observadora do cotidiano e eterna curiosa.
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